Características e Prognóstico da Paralisia Cerebral

Muito se ouve e se fala a respeito da Paralisia Cerebral (PC), mas muitos são os erros e dúvidas ao se pensar nas pessoas acometidas, principalmente no que diz respeito às suas características e prognóstico. É comum escutarmos questionamentos como O que causa?  Qual é a expectativa de vida dessas pessoas? Eles entendem o que dizemos? Irão alcançar níveis de independência funcional? Porquê fazer terapias?

Esses são apenas alguns dos questionamentos. Por isso procuraremos trazer noções básicas importantes através deste texto. Continue a leitura!

O que é Paralisia Cerebral?

Inicialmente precisamos definir o termo Paralisia Cerebral, amplamente conhecida como a principal causa de distúrbios de movimento e postura na infância. Trata-se de uma desordem neurológica que se instala nos 3 primeiros anos de vida, podendo ter início nos períodos pré, peri ou pós-natais.

O termo mais adequado para tal definição é Encefalopatia Crônica Não-Progressiva da Infância. Encefalopatia (lesão do Sistema Nervoso Central) Crônica (não tem cura uma vez instalada) Não-Progressiva (a lesão primária não piora com o tempo).

Estudos relatam uma prevalência que pode variar entre 2 e 7 a cada 1.000 nascidos vivos, de acordo com as condições sociais e desenvolvimento da população.

Entre as causas estão as pré-natais (relacionadas à saúde e hábitos maternos, como hipotireoidismo, infecções nos 2 primeiros trimestres de gestação por citomegalovírus, rubéola, HIV, toxoplasmose, infecções urinárias, uso de álcool e drogas, traumas abdominais, dentre outros; e relacionados à saúde do bebê, como malformações congênitas do Sistema Nervoso Central, episódios de hipóxia e anóxia, doenças metabólicas por exemplo); as perinatais (processos hipóxico-isquêmicos, baixo peso ao nascer, e prematuridade) e pós-natais (traumatismos, processos hipóxicos-isquêmicos e infecções adquiridas, como as meningites por exemplo).

Estudos referem que as causas perinatais recebem maior destaque entre os fatores etiológicos da PC, uma vez que os traumas e lesões pós-natais (28 dias de vida aos 3 anos) variam entre 1,4 e 24% do total dos casos.

Levando-se em consideração todas as possíveis causas os profissionais que investigam a PC devem levar em consideração o histórico pré-natal (saúde materna e fetal, movimentos fetais e histórico de intercorrências), perinatais (idade gestacional, tipo e duração do parto, peso ao nascimento, Apgar, dentre outros) e pós-natais (histórico de engasgos, hiperbilirrubinemia / icterícia, traumas, infecções).

O diagnóstico é definido clinicamente, através da observação de alterações dos movimentos e postura, sendo exames complementares importantes  para diagnóstico diferencial de encefalopatias progressivas e síndromes diversas.

Quais são os sinais característicos?

Nossos movimentos e posturas  são resultantes de uma incrível rede de conexões neuronais comandadas pelo nosso SNC, que trabalha simultaneamente, em conjunto com nossos sistemas músculo-esquelético, sensorial e proprioceptivo, para que tudo isso aconteça de maneira automática e harmônica. 

Desta forma uma vez que o SNC imaturo sofre uma lesão, variações dos padrões normais de movimento e postura serão observados de acordo com o tipo, local e grau da lesão.

A classificação baseia-se em 2 componentes: 1- local da lesão (piramidal, mais comum nos pré-termos, que resulta em padrão de espasticidade, que está presente em cerca de 75% dos casos; extrapiramidal, com lesões principalmente em núcleos da base, que resulta em padrões discinéticos, como atetose, coreoatetose e distonias) e cerebelares, que resultam em padrões atáxicos de movimento; e 2- parte do corpo mais afetada, que gera classificação em monoplegias, hemiplegias, diplegias ou quadriplegias.

Contudo é comum na prática clínica encontrarmos quadros mistos, como espasticidade em membros e hipotonia em tronco, ou ainda espasticidade com componentes distônicos por exemplo, uma vez que a lesão pode estar presente em mais de uma região do SNC.

Uma dúvida frequente está relacionada à  idade na qual se faz o diagnóstico da PC. Essa é uma responsabilidade da equipe envolvida desde o pré-natal até consultas de rotina pós-natais, já que na presença de qualquer dado etiológico suspeito julga-se necessária a investigação para acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor da criança, uma vez que seja de suma importância o diagnóstico e intervenção precoces.

Alterações dos padrões de movimento global, irritabilidade exacerbada, hipoatividade, falta de contato visual,dificuldade para mamar, espasmos dos membros, além de outros, (pesquise o material Diário dos Bebês em nosso blog) associados ou não à histórico de possível etiologia são sinais de alerta e devem ser investigados imediatamente por uma equipe especializada.

Estudos têm evidenciado que manifestações clínicas características de PC podem ser identificadas nos primeiros meses de vida, sendo que até os movimentos  intra-útero podem ser utilizados como parâmetros diagnósticos.

Além das alterações de postura e movimento, disfagia, alterações visuais e auditivas, distúrbios cognitivos e comportamentais, alterações gastrointestinais,  respiratórias, músculo-esqueléticas, sensoriais e epilepsias, podem estar associadas.

A grande pergunta é: uma vez que a injúria do SNC tem caráter não-progressivo,ou seja, não terá piora ao longo do tempo, O QUE JUSTIFICA O TRATAMENTO TERAPÊUTICO?

Diversas áreas de atuação em saúde tem buscado estudar e propor estratégias terapêuticas para prevenir ou minimizar sequelas, além de desenvolver e potencializar capacidades funcionais.

A justificativa parte inicialmente da repercussão que a lesão exerce sobre os padrões de movimento e postura. Isso significa que um SNC lesionado ou mal formado exercerá influência inadequada ao sistema músculo-esquelético, proprioceptivo e sensório-motor, tornando difíceis ou ineficientes determinados movimentos e posturas, com resultante redução da movimentação funcional. Associado à isso o tônus muscular decorrente da lesão, também exerce ação direta sobre o sistema músculo-esquelético, que por sua vez encontra-se com movimentação reduzida, o que poderá gerar encurtamentos musculares, assimetrias posturais e deformidades.

Sabemos ainda que o SNC apresenta alto potencial plástico (Neuroplasticidade) e que estímulos corretos oferecem condições de aprendizagem pelas áreas adjacentes à lesão, com alto potencial de desenvolvimento de função.

É necessário o empenho e atuação de uma equipe multidisciplinar ( a depender de cada caso composta por fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, neurologista, ortopedista) para que a pessoa com PC possa desenvolver seu maior índice de funcionalidade.

Em resumo os objetivos das terapias são: minimizar / evitar contraturas, deformidades, luxações, escolioses, além de evitar complicações respiratórias e gastrointestinais, promover a função, autonomia e garantir a melhora da qualidade de vida.

No âmbito prognóstico funcional é comum encontrarmos pessoas que associam a Paralisia Cerebral com pessoas acamadas, sem condições de respostas voluntárias funcionais e sociais. Esse é um grande equívoco, cometido talvez pela tradução ao pé da letra do termo PARALISIA = PARALISADO.

A mudança dessa ótica é um grande desafio terapêutico-social, uma vez que podemos ter crianças ou adultos (já que a expectativa de vida desse grupo não se limita por seu diagnóstico, sendo as complicações secundárias geralmente as causas de óbito para esse grupo) funcionais e empoderados. Não devemos e não podemos, como em qualquer outro diagnóstico, tratar a pessoa com PC com base apenas em sua lesão , diagnóstico e prognóstico. Devemos enxergá-lo como pessoas que têm habilidades, dificuldades e potenciais variados, que possuem sim uma condição neurológica especial mas que merece atenção, empenho e respeito como todos.

Para que isso aconteça de forma coesa eficaz, é necessário o equilíbrio entre o conhecimento / ciência e acreditar no potencial de desenvolvimento e recuperação nas grandes e mínimas situações do cotidiano.  Precisamos sim ter o conhecimento acerca da lesão e comprometimento caso a caso ao traçarmos nossos objetivos mas não podemos deixar que apenas isso domine nossas estratégias e abordagens. O que visamos é que crianças e adultos com PC tenham seus direitos assegurados e que sejam estimulados de forma a desenvolverem maior nível de autonomia e qualidade de vida!

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Fontes:

https://periodicos.pucpr.br/index.php/fisio/article/download/19461/18801
www.scielo.br/pdf/fm/v24n1/v24n1a21 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_pessoa_paralisia_cerebral.pdf
https://periodicos.pucpr.br/index.php/fisio/article/download/18705/18126
https://www.redalyc.org/pdf/1693/169352471015.pdf
http://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/10/916400/8780-103145-1-pb.pdf
https://www.calendarr.com/portugal/dia-da-paralisia-cerebral/