A Dra. Jean Ayres, que foi a Terapeuta Ocupacional que descobriu e desenvolveu a teoria e a prática de Integração Sensorial definiu Práxis como:
“Processo neurológico pelo qual a cognição dirige a ação motora: planejamento motor ou de ação é o processo intermediário que faz a ponte entre ideação e execução motora para permitir interação adaptativa com o mundo físico” (1985)
Para entender melhor o que ela quis dizer vamos falar de práxis por partes, mais especificamente em 3 partes:
A primeira chamamos de Ideação que é a capacidade de reconhecer os affordances do objeto. E o que são affordances? Essa é uma palavra em inglês que não tem tradução para o português mas que quer dizer a habilidade de reconhecer as possibilidades de um objeto ou ambiente, conhecimento de ações e das interações entre as ações e os objetos e de ações em série. Mas o que é necessário para que essa ideação aconteça?
Será que treinar habilidades específicas promove ideação?
A resposta é não! Quando treinamos uma habilidade ficamos bons naquela habilidade e isso não significa que iremos ser adaptativos em outra, porque outras habilidades vão exigir requisitos diferentes. Uma tarefa pode ser até semelhante a outra mas se ela tiver um elemento diferente a ideação também precisa ser diferente. Um exemplo disso são as portas: Eu sei pela minha experiência prévia que uma madeira comprida com uma maçaneta que eu tenho que colocar a mão e empurrar para baixo e que fecha um ambiente é uma porta certo? Ok, agora se eu tiver uma coisa de vidro com um negócio de metal comprido grudado nela, fechando um ambiente eu posso tentar empurrar como eu fiz com a porta de madeira, se ela não abrir o que eu faço? Olho para ver se ela é de correr e se for eu vou usar a minha mão de uma forma diferente. Podemos dar milhões de exemplos, mas o que quero dizer é que o que me mostra como usar um objeto que eu nunca vi, ou como usar um objeto que eu já conheço mas de uma forma diferente é a percepção sensorial, as referências externas e os affordances que as experiências prévias me deram.
Então, a ideação tem base nos pensamentos representacionais e ela acontece lá no nosso lobo frontal do cérebro que, com a participação do cerebelo, vai procurar memórias que vem das experiências para funcionar no mundo!
Ah, então quer dizer que práxis tem a ver com criatividade?
Também não! Uma criança pode ter uma super idéia criativa de uma brincadeira mas essa idéia não ser passível de ser realmente realizada, ou ela pode pensar em uma maneira de resolver um problema e essa maneira não ser viável. Vou dar um exemplo para ficar mais fácil: Você pede para uma criança pegar um brinquedo que está em um armário a 2 metros de altura e aí ela vai lá e pega um banquinho baixo, sobe e fica tentando alcançar ou até mesmo fica pulando sem o banquinho com a esperança de conseguir pegar o brinquedo mas não consegue.
Olha só quantas coisas estão envolvidas: Noção do seu tamanho e do tamanho do braço e que não será possível alcançar, noção do tamanho do objeto que ela precisa usar para subir para tentar alcançar, feedforward ( mecanismo de planejamento motor enviado pelo cerebelo para ele decidir se vai dar certo e comandar o planejamento), ou seja saber antecipadamente tudo o que precisa ser feito para alcançar o brinquedo, e feedback (reflexo das saídas vestibulares, proprioceptivas e visuais usadas para manter ou alterar o que está sendo feito), ou seja, perceber que o que está sendo feito não funcionou e alterar a estratégia.
O lobo frontal fez o papel dele e “pensou” no que fazer, mas será que o cerebelo fez o papel dele de encontrar na memória o que precisa ser feito para conseguir pegar o brinquedo? Ou, será que essa criança tinha alguma memória que pudesse ajudá-lo nisso?
Então, não basta ter a memória, precisamos saber como acessá-la e isso tem a ver com funções executivas, que é assunto para outro conteúdo!
Enfim, para a ideação acontecer precisamos de muitos pré-requisitos e quem nos fornece isso são as nossas experiências! Se eu quiser te ensinar a nadar dizendo pra você o que você tem que fazer sem nunca entrarmos em uma piscina você acha que conseguirá aprender? Imagina se você nem sabe o que é uma piscina, então fica ainda mais difícil não é mesmo?
Alguns aspectos chaves para identificar dificuldades em ideação podem ser vistos em crianças que têm dificuldades em gerar idéias de como fazer algo, frequentemente dizem não saber o que fazer, tem repertório limitado de ações motoras e temas de brincadeiras, podem ser muito rígidas e brincar só de uma coisa e de uma maneira, frequentemente resistem a representação de objetos, têm dificuldade de lembrar o que fizeram anteriormente, dificuldades em noção de causa e efeito e dificuldade em expressar-se por exemplo. Sendo assim a Terapia Ocupacional tem um papel primordial de identificar essas dificuldades nas crianças e avaliar se elas tem correlação com a Ideação.
E aqui fica uma pergunta: Será que as crianças hoje estão tendo experiências tão diversificadas que irão deixar essa cartola de mágico chamada ideação cheia de memórias que poderão ser puxadas para fora a qualquer momento para que a mágica aconteça?
Bom, falei aqui de uma maneira bem reduzida sobre a primeira etapa da práxis. Vamos para a segunda?
Planejamento: significa preparar o movimento e colocar etapas em conjunto para atingir uma meta. Assim como a ideação, o planejamento conta com o cerebelo e também com outra área do cérebro chamada pré motora para que esse planejamento seja adequado e para que eu possa ajustá-lo caso necessário.
Então, o cerebelo vai comparar o que você está fazendo com aquilo que você planejou fazer, ou seja, ele vai pegar as informações proprioceptivas que ele está recebendo para corrigir pequenos erros e fazer melhor da próxima vez e assim acontece o aprendizado motor. E aí então, depois desse aprendizado você pode usar o mesmo movimento em outro contexto fazendo os ajustes necessários. E para isso acontecer de forma efetiva precisamos ter muito repertório e para ter repertório precisamos adicionar muitas características diferentes a nossa memória e quanto mais complexas essas memórias mais Respostas Adaptativas vou dar.
Ah, e tem mais uma coisinha, tem uma outra estrutura no nosso cérebro super importante para o planejamento: os gânglios da base! Eles têm uma conexão com o córtex pré motor que ajuda na iniciação e no controle do movimento selecionando apenas a musculatura adequada para aquele determinado movimento, ou seja, o movimento vai sendo refinado.
E a gente só consegue fazer isso como? Através das experiências sensoriais!
Vamos agora para a última etapa da práxis: A execução!
Se a criança tem ideação e tem planejamento espera-se que ela também consiga fazer os movimentos necessários para a ação, mas podem haver alguns fatores que interferem na execução dos movimentos, ou seja, a capacidade de coordenar os músculos de uma forma sinérgica. Um dos principais fatores que podem interferir na execução harmoniosa de uma ação é o pobre controle postural e essa dificuldade pode ser confundida com dificuldades no planejamento, por isso a importância de uma boa avaliação de um terapeuta ocupacional para determinar as causas e poder intervir da forma correta.
O controle postural está intimamente ligado aos sistemas vestibular e proprioceptivo e que estão, por sua vez, ligados às experiências que vivenciamos desde quando somos concebidos.
Por isso a variedade e a qualidade das experiências e das respostas adaptativas são essenciais para a Práxis! E de novo, qual a melhor maneira de promover a Práxis? Através do Brincar é claro!
Ahh, e você sabia que déficits na práxis podem ser observados a partir dos 5 meses de vida e que o profissional de referência para avaliar essas questões é o Terapeuta Ocupacional?!
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