A Artrogripose Múltipla Congênita (AMC) representa uma importante condição marcada por múltiplas contraturas articulares não progressivas presentes ao nascimento, com quadro variável de um caso para outro, mas que geralmente interferem vastamente no grau de funcionalidade dos pacientes. Funções como o rolar, sentar, engatinhar, manipular objeto, se vestir, se alimentar de forma independente e caminhar podem ser prejudicadas a depender do grau de comprometimento e principais articulações envolvidas.
O termo deriva de palavras de origem grega e tem significado de “juntas encurvadas ou fletidas”. Relativamente rara, apresenta etiologia multifocal com início na vida intra-uterina, acometendo 1:3000 nascidos vivos, sendo sua incidência 5 vezes maior em meninos.
Segundo alguns autores as contraturas acontecem em resposta a uma variedade de agentes que criam um desequilíbrio entre as forças musculares atuantes nas articulações.
Não tem etiologia claramente definida, mas estudos apontam que uso de medicações durante a gestação, infecções, traumas, fatores genéticos, uso materno de drogas e álcool podem estar relacionados. A hipótese mais aceita entre os autores é a diminuição dos movimentos fetais nos últimos meses de gestação ou problemas de desenvolvimento espinhal nos primeiros meses de gestação.
Seu diagnóstico é realizado principalmente pela inspeção e exame físico associado aos achados radiológicos, podendo ser identificado ainda as consultas de pré-natal por meio de ultrassonografia associada ao histórico de movimentação fetal. Vale um alerta a se considerar sempre as percepções e relatos maternos da movimentação do bebê.
As principais características são articulações em formato cilíndrico e sem pregas cutâneas; articulações rígidas; luxações articulares (principalmente de quadril) e atrofia muscular. As contraturas geralmente são simétricas podendo acometer os quatro membros e estão associadas à escassez de tecido cutâneo. Geralmente são mais severas distalmente, com maior comprometimento de mãos e pés, em relação aos braços, cotovelos e pernas.
As principais repercussões são pés tortos, em posição de inversão e equino com rigidez muito acentuada e alterações anatômicas dos ossos, e punhos em flexão com desvio radial acompanhado de alterações de deformidades também dos dedos. Atividades manuais e ortostatismo são geralmente prejudicados, sendo necessárias muitas vezes cirurgias para correção e alinhamento.
A conduta terapêutica baseia-se na manutenção da mobilidade articular presente, otimização e promoção de função, ganho de força muscular e prevenção de deformidades secundárias, como escolioses e hipercifoses, por exemplo. Indicação e manejo do uso de órteses e equipamentos adaptados, como cadeiras, parapodium e andadores, também são papel da fisioterapia. Sistemas de comunicação aumentativa, suplementar e recursos de adaptação para atividades do cotidiano também compõem a atuação da equipe.
De acordo com Drummond e Mackenzie a escoliose acontece em cerca de 14 a cada 50 pacientes com artrogripose podendo ser essas congênitas ou secundárias às demais condições relacionadas.
Em relação ao quadril cerca de 65 a 85% dos pacientes com artrogripose apresentarão subluxação ou luxação. A displasia de quadril é muito frequente interferindo em toda a dinâmica de funcionamento do quadril e membros inferiores desses pacientes.
Na prática clínica o que vemos é a necessidade de estabelecimento de etapas de intervenção, voltadas e intimamente ligadas às condutas de correção cirúrgica das articulações. A fisioterapia tem papel importante ainda no acompanhamento pós cirúrgico, com condutas bem traçadas e utilização correta de ferramentas auxiliares, como as órteses adequadas para manutenção dos ganhos cirúrgicos para desempenho da função. Após a correção dos pés o ortostatismo deve ser amplamente promovido de forma estática e dinâmica. As escolhas dos grupos articulares a serem operados será sempre realizada pela equipe levando-se em conta as necessidades principais da criança e da família, sendo algumas vezes optado por não se operar algumas articulações, que conseguem alguma forma se apresentar funcional com mecanismos próprios de adequação (exemplo pode-se optar por não operar as mãos caso o paciente tenha conseguido através de mecanismos compensatórios funcionais e estratégias terapêuticas bem direcionadas desempenhar função sem riscos de piora de seu comprometimento a longo prazo). Nesses casos, assim como em outras condições neuro-ortopédicas, a decisão pela correção cirúrgica será sempre calculada frente a seu ônus e bônus.
Um grande número de anomalias congênitas podem estar associadas a artrogripose, como problemas cardíacos, hipoplasia pulmonar, fístulas traqueo-esofágicas, fenda palatina, alterações oftalmológicas, hérnias inguinais ou umbilicais, alterações diafragmáticas e hemangiomas.
Desenvolvimento intelectual e cognitivo geralmente se dão de maneira habitual, sendo assim esses pacientes muito participativos no processo de reabilitação. É importante que o acompanhamento terapêutico com uma equipe multiprofissional especializada seja iniciado precocemente e mantido de forma contínua, para que cada necessidade do paciente receba intervenção adequada no momento correto, e para que a família receba todas as orientações necessárias para poder juntamente com a equipe otimizar o ganho funcional do paciente em cada fase do seu desenvolvimento.
É importante que tenhamos sempre em mente que diagnóstico não é destino, e que esses pacientes podem frente a todas as limitações articulares por essa condição a eles impostas, se desenvolverem de forma funcional e alcançar altos níveis de participação social e independência se bem direcionados e tratados.
Referências
http://revistadepediatriasoperj.org.br/audiencia_pdf.asp?aid2=1025&nomeArquivo=v17n3a05.pdf
http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2008/anais/arquivosEPG/EPG00632_03_A.pdf
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